A personalidade artística de Paulo Neves (n.1959) cruza-se com o que conhecemos da sua biografia. Natural de Cucujães, freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis, fez sempre questão de se manter ligado à terra e é no silêncio do carvalhal da sua propriedade que a imaginação e a transpiração dão aso a uma produção intensa e regular que já é marca do espaço público em Portugal continental e ilhas, mas também de Angola, integrando coleções das mais prestigiadas em Portugal, Angola, Espanha, Bélgica, Brasil, Itália e Alemanha. Exposições são mais de uma centena, com a primeira individual em 1980 e a primeira coletiva em 1985. Curiosamente, Paulo Neves frequentou, não a licenciatura em Escultura, mas em Pintura da Escola Superior de Belas Artes do Porto e entre 1978 e 1981 conviveu e trabalhou com diversos artistas em vários países da Europa.

A obra de Paulo Neves estabeleceu desde sempre uma relação com a natureza, criando um vocabulário formal e compositivo que se mantém nas obras em madeira, pedra, ferro e nas variações em materiais plásticos e sintéticos, conferindo-lhe uma coerência e constância enquanto escultor. Troncos, anéis, escadas, rebentos, ninhos, anjos, painéis, santas, rodelas. Em Paulo Neves tudo é aquilo que parece: escultura e matéria. Às vezes poesia, iconografia das emoções: biografias, energia, nascimento e morte, céu e inferno. A matéria em instantes, em sulcos, golpes de transpiração, a mão do artista, o seu suor, força e resistência que fazem transbordar a tal poesia, que foge da nomenclatura, para o exercício das formas e da composição, em movimentos simétricos e repetitivos de rigor geométrico que nos criam labirintos ilusórios à perceção do olhar. Nada é singular. Tudo é plural e série, porque experimental e imaginado para interpelar o espaço, para o ocupar, não em caos mas em ordem. Arquiteto de formas, aprendeu cedo a ler as entrelinhas do meio e da matéria, em instantes de criatividade e domínio da força gravítica.

Regra geral, há um respeito pelas propriedades naturais da matéria, nomeadamente nas obras em madeira e pedra mas também há esculturas em que a cor toma lugar, numa paleta viva de variação entre as cores primárias e as mais associadas à pop art. Contudo, Paulo Neves acumula também no seu percurso obras em que foi capaz de interpretar temáticas social e politicamente delicadas, somando-lhes um quadro concetual e narrativo de enorme amplitude e intensidade. Na última década aproximou-se das temáticas religiosas e tem produzido um conjunto de obras que fazem uma interpretação iconográfica, por um lado, do ideário católico, como também inovam nas possibilidades estéticas dos elementos eucarísticos.

Em Cucujães escreve resenhas com as suas obras que se deslindam no surreal, mas hiper-real, da imaginação de cada um, na disposição para ver. Compreendi que não era possível conhecê-lo sem mergulhar no seu universo. Foi desse mundo que quisemos invadir Braga numa exposição individual de Paulo Neves, nem antológica, nem retrospetiva, nem de produção recente, mas antes o transporte, a transladação, do que que havia no atelier para a cidade. Excluímos a pedra pois em Braga já encontramos obras suas no espaço público; o jardim do Museu Nogueira da Silva acolhe as esculturas em ferro; a Basílica dos Congregados acolhe um Cristo e uma iconografia limpa que associamos a imagens de Santas e a galeria shairart dst cobre-se das madeiras, numa seleção de obras que vem de 1991 e chega às mais recentes, com caminhos para o céu, convites a espreitar por entre as rodas e anéis, sugestões de mandalas e conjuntos escultóricos com detalhes em bronze que nos arrancam suspiros. O espectador deve percorrer a mostra como se de uma pista de obstáculos se tratasse. É o belo sobre as paredes brancas e a luz homogénea do espaço de exposição, é a simplicidade do figurativo sobre as artimanhas e o exagero do barroco e é a robustez do ferro na delicadeza do jardim ordenado que se esconde no museu. Três estruturas da cidade: o grupo dst, a Igreja e a Universidade. Um artista: Paulo Neves.

Helena Mendes Pereira

curadora da shairart

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