Colecionar arte: o guia essencial
Existe uma grande diferença entre comprar arte e colecionar arte. Comprar arte é uma atividade mais aleatória, baseada no gosto e preferências pessoais, e com um propósito específico (habitualmente decorativo). Colecionar arte é um compromisso a longo prazo, com um propósito mais estratégico em mente. Em ambos os casos o comprador/colecionador deve cingir-se a obras de que realmente gosta, mas se o objetivo da aquisição é o colecionismo, existem duas habilidades pilar que necessitam de ser tomadas em consideração: a pesquisa fundamentada e a visão do storytelling da coleção.
A maioria dos compradores adquire peça a peça, atentando exclusivamente ao gosto que nutre pelo trabalho em específico, mas esquecendo-se de estipular um plano de aquisição a longo prazo, ou seja, com vista a construir uma boa coleção. Encontra peças de que gosta, em variados formatos e tamanhos, e vai comprando as obras aliatoriamente, até porque esquematizar um plano coerente e sistemático pode revelar-se um trabalho intimidante até para o colecionador mais experiente.
A importância do fio condutor na coleção de arte
É natural que se cometam algum erros durante o processo e que se adquiram obras descontextualizadas da ideia inicial. Isto deve-se sobretudo à falta de conhecimento e a um entusiasmo quase imaturo do novo colecionador: visitam-se galerias locais, ouvem-se propostas eminentemente comerciais e acaba-se seduzido por componentes estéticas, por cores vibrantes, pela imponência das dimensões da obra, esquecendo-se o ponto mais essencial do colecionismo: o fio condutor. Importa sublinhar que alcançar um estado pleno de controlo do processo de aquisição é trabalhoso e confuso, mas significa saber qual o ponto em que a coleção está, em que direção ir, como é que uma obra se relaciona com as restantes e como organizar a coleção de forma a conferir-lhe sentido.
Os grandes colecionadores são tão conhecidos e respeitados como os autores das obras que possuem. O que torna um colecionador num caso de sucesso é a sua capacidade de selecionar obras coerentes, ser assertivo na análise da infinita oferta e percecionar o enriquecimento dos restantes trabalhos da coleção. Em qualquer boa coleção, o total todo torna-se mais relevante do que as partes que o constituem. Tome como exemplo o Comendador Joe Berardo, dono de uma invejável coleção de arte moderna, onde figuram obras dos mais relevantes artistas, dos principais movimentos. Apesar de algumas obras dos artistas representados serem periféricas ao seu percurso artístico (como um trabalho figurativo de Mark Rothko), os grandes nomes estão lá. E fazem sentido no conjunto, ganhando uma valorização extra por integrarem uma coleção que conta parte da História da Arte.
Independentemente da forma como se perceciona enquanto colecionador há técnicas que podem ser utilizadas para maximizar a qualidade/valor das suas aquisições de arte, podendo redefinir e apurar o processo de seleção e compra de obras:
Mantenha-se fiel ao seu gosto
Tenha consciência exata do que gosta, do que o apaixona, e tenha-o sempre em mente. Este fator tornará a sua coleção absolutamente singular, e irá conferir-lhe um valor distinto. Quando se ignoram as preferências pessoais em prol dos interesses mercantis, as coleções passam a ser todas iguais e, em última instancia, aborrecidas.
Informe-se com clareza sobre que a peça que está a pensar adquirir
Não se confine a circular sempre nos mesmos espaços comerciais e a conversar com as mesmas pessoas. Procure novas galerias, outros colecionadores, curadores de circuitos distintos, recorra à internet, não tenha receio de explorar novos canais. O que torna o colecionismo de hoje tão distinto do passado é a facilidade no acesso à informação. Tire partido desta mais-valia sem qualquer prurido.
Reflita periodicamente sobre as suas preferências
É natural que com o passar do tempo os gostos se alterem e que algumas tipologias de obras o comecem a aborrecer. Lembre-se que as boas coleções nunca são estáticas, estão em constante evolução.
Obtenha uma educação básica sobre a História da Arte
Procure formações profissionais, explore revistas de especialidade, apresentações, blogues, websites, acompanhe opinion leaders, visite feiras de arte. Invista numa biblioteca abrangente, os livros de arte são sempre um ótima forma de aprofundar conhecimentos. É importante que esta aprendizagem seja on going, que vá sendo atualizada.
Acompanhe as movimentações do mercado
Esteja atento a valores, compare vendas, perceba quem são os principais players. Este conhecimento irá também ajudar a evitar que seja conduzido a maus negócios, com obras sobrevalorizadas e dados enganadores.
Documente todas as obras da coleção
Não só por questões de autenticação como por organização pessoal. Registe dimensões, condições de compra, temáticas, datas, valores e demais detalhes. Por muito boa que seja a sua memória, eventualmente a sua coleção tornar-se-á demasiado extensa para saber de cor todas as informações. Mais do que isso, esta organização irá permitir que tenha uma noção clara do que tem sido o seu comportamento de compra, o que está a faltar na coleção, o que já não faz sentido, etc.
Prepare o futuro da coleção
Por muito indesejável que lhe pareça, é essencial preparar o futuro da coleção para quem a herdar. Quer esta seja cedida a um museu, uma instituição, familiares, amigos, a organização e documentação do que adquiriu ao longo dos anos será muitíssimo útil para quem entender que fará dela melhor uso.
O que faz de um colecionador memorável é o seu pensamento estratégico, a sua capacidade em manter-se focado na composição geral da coleção, não perder o fio condutor coerente e ponderado, e a habilidade de criar uma composição coesa, que faça sentido e acrescente valor real ao mercado. Se pretende construir uma coleção que perdure no tempo, tem que começar a estruturar o seu pensamento no imediato. Fale abertamente sobre as obras que possui, transmita aos outros o amor e respeito que tem pelo que construiu. Certifique-se que as pessoas sabem o quão importante a sua coleção é para si.