A VIDA É UM EMARANHADO DE NÓS é a segunda exposição resultante da parceria entre a zet gallery e a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. A seleção de artistas foi feita a partir dos participantes na edição 2019 das GA-AB (Galerias Abertas) por um júri constituído por Joana Meneses Fernandes (coordenadora do projeto Braga Cultura 2030), Miguel Bandeira Duarte (Museu Nogueira da Silva), Luís Coquenão (artista visual) e Helena Mendes Pereira (curadora da zet gallery). O fio condutor para o projeto de curadoria surgiu a partir do trabalho de Lorenzo Bordonaro (n.1971): uma instalação site specific em trapilho encarnado que cria um efeito de rede ou teia e que nos convida a uma alteração ergonómica para a experienciarmos, ao mesmo tempo que se transforma numa espécie de casulo meditativo sobre os nós de que somos feitos vida, sobre a complexidade da nossa estória, feita de relações humanas, de encontros e desencontros, de vórtices e de voragens, de ganhar e perder e, portanto, de um emaranhado de contradições, de avanços e recuos.

As obras dos demais autores apresentam-se, a partir daqui, num esquema de redes (compartimentadas e abertas) e de contágios visuais e conceptuais, de diferentes apelos emocionais, que nos aproximam dos seus e nos nossos mundos interiores e das nossas memórias e estórias. Exemplo claro dessa aproximação é a proposta de Lígia Fernandes (n.1985) que explora, através de uma brecha na pintura de gesto e expressão sobre a volatilidade do papel, a condição da memória, eternizada em álbuns familiares de fotografias. Daqui, chegamos ao espaço de paisagem, também gestual, de Ana Lúcia Ventura (n.1996), à densidade matérica e irónica de Hugo Castilho (n.1995) e à incessante pesquisa plástica de Alberto Rodrigues Marques (n.1995), considerando que estes dois últimos traçam um interessante caminho entre uma espécie de figuração livre, morta ou de detalhe, e a preponderância da cor como comunicante e meio de ação. Alberto Rodrigues Marques parte mesmo para a pintura em campo expandido, interessando-se pelas possibilidades de resposta que a indústria e os engenhos podem somar à produção plástica quando esta cresce em escala, ao mesmo tempo que se torna minimal no registo e nas indagações da imagem. E o que dizer do trabalho vídeo de Francisco Lourenço (n.1991), narrativas quase surreais que, a dada altura, nos remetem para a profícua parceria criativa entre Luis Buñuel (1900-1983) e Salvador Dalí (1904-1989), numa versão 4.0 e de uma intensa poesia visual?

Entramos nas formas nómadas para nos voltarmos a cruzar com o processo de observação da natureza de Ana Sofia Sá (n.1997), vertido em sensibilidade escultórica e desenho, que nos devolve ao mobiliário da escola, que assinalamos como laboratório do porvir. Desta vez, há um livro que somos impelidos a descobrir, numa janela que se abre para a diluição das barreiras contemplativas impostas ao fruidor pela pintura e que, no caso da escultura ou da terceira dimensão da obra de arte, intensifica o dualismo fulcral da tendência apresentada entre espírito e natureza, numa constante volta a Marcel Duchamp (1887-1968) e ao manancial de hipóteses que o quotidiano oferece à criação, sendo indeléveis as influências da land art ou da arte povera enquanto fenomenologias da apoteose da dessacralização do objeto artístico e do seu despojamento em termos de valor material intrínseco.

A leitura é preponderante para compreender as propostas de André Costa (n.1975), Carlos Filipe Cavaleiro (n.1994), Joana Lapin (n.1998), Pablo Quiroga (n.1990) ou Segismundo (n.1984), todas elas orgânicas, industriais, irónicas e, ao mesmo tempo, plenas de ação política e revolução. Dispomo-las como um jogo, um anti mapa, um campo de batalha e um desafio à luta das classificações dos prejuízos dos juízos do gosto que se assumem quando se escolhe, se contextualiza e se expõe, por outras palavras: se cura. Mais do que subjetividade, a arte contemporânea é do absoluto da intersubjetividade: é de cada um, ainda que procure o uníssono e a aceitação coletiva.

A leveza das esculturas de Joana Paiva Sequeira (n.1997), e a sua subtil delicadeza de processos, devolvem-nos à cor inicial do emaranhado de nós, desta vez corpo compacto, ainda que também têxtil. Nos caminhos, por vezes indecifráveis, do que é abstrato e do que é figura, do que é processo ou do que é resultado, do que é conceito ou do que é matéria e técnica, os 13 artistas oferecem-nos a consistência da procura e a ousadia da interioridade.

A VIDA É UM EMARANHADO DE NÓS é, assim, mais uma expansiva ousadia nossa para que seja a arte o mote e motivo para olhar para dentro, desatar os nós que cortam a respiração e reatar os que são âncora e nos fazem bem. A VIDA É UM EMARANHADO DE NÓS é uma reafirmação deste nosso compromisso de que pode a arte, como
pode cada um de nós, mudar o mundo.

Helena Mendes Pereira
curadora da zet gallery

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