Entrevista com Mónica Mindelis

Residência Artística em Guimarães

Estivemos à conversa com a Mónica Mindelis que esteve em Guimarães a desenvolver uma pintura numa das escadarias que liga a Avenida Conde de Margaride à Plataforma das Artes e da Criatividade. A obra de arte em espaço público está inserida no programa de residências artísticas AMAR O MINHO, promovido pelo consórcio MINHO IN (constituído pelas Comunidades Intermunicipais do Alto Minho, do Cávado e do Ave).

Qual foi a tua reação quando recebeste o convite para integrar este projeto de residências artísticas do AMAR O MINHO?

Eu fiquei muito contente. Já era um desejo meu há algum tempo. Eu sentia que o meu trabalho pedia para sair fora da tela, e tenho alguns projetos de arte pública guardados na gaveta. Por isso fiquei muito contente, pensei que poderia ser o início desses trabalhos que quero vir a fazer.

A coleção do Centro Internacional de Artes José de Guimarães foi a inspiração para a concretização desta obra em espaço público?

Eu ainda não sabia qual é que ia ser o espaço público que ia trabalhar, mas visitei por diversas vezes o Centro Internacional de Artes José de Guimarães. Fui recolhendo material que me interessava e fui procurando identificar pontos de diálogo entre o meu trabalho e as peças da coleção [de José de Guimarães]. Eu lembro-me que, antes de saber qual o espaço onde ia trabalhar, um elemento do museu que me chamou muito a atenção foi a arte pré-colombiana, as peças têxteis, porque eram peças fúnebres, confecionadas para acompanhar a pessoa morta.

Quando soube que ia trabalhar aqui nestas escadas vi a possibilidade de continuar o trabalho que eu já vinha a fazer. Eu já tinha levado para o desenho e para a pintura estas tramas, estas redes, estas malhas, e achei que aqui eu podia fazer um contraponto com a arte pré-colombiana. Este espaço não estava como está agora, estava sujo, com mato muito alto e, pelo que eu sei, as pessoas não utilizavam estas escadas. Então, eu pensei que podia partir de um lugar “morto” e construir uma peça por onde pudessem passar vidas.

Porquê o nome “Amanhecer” atribuído a esta escadaria?

O ponto de partida para esta obra foi o trabalho que eu expus na zet gallery no final do ano passado. Isto faz parte de uma série que eu desenvolvi ao longo dos dois últimos anos, que se chama “Sonho de voo”. É uma série que tem dois momentos, sendo que o segundo momento é aquele que foi apresentado na zet gallery. Eu construí um grande objeto de ráfia, por estar a trabalhar e a costurar manualmente tanto tempo a ráfia, então essa expressão das malhas e da trama veio para o desenho e para a minha pintura.

Um dos trabalhos expostos [na zet gallery] chama-se “AMANHECER”, e eu achei que fazia sentido trazer esse trabalho para aqui, também pelas cores que utilizei na pintura. Porque eu acho que fazem um diálogo com as cores que eu identifiquei da arte pré-colombiana no museu. Mas, penso eu também que com parte de toda a coleção, tanto a Africana como a Oriental e também com o trabalho de José de Guimarães. Claro que com as devidas alterações, mas trouxe muito desse trabalho “Amanhecer” para aqui, e também sabendo da história deste lugar eu achei que fazia todo o sentido ser o mesmo “Amanhecer”.

Qual é a principal mensagem presente nesta obra de arte pública?

Interessa-me muito neste trabalho essa possibilidade de requalificação do lugar. Eu acho interessante isso, de que já falei, desse contraponto. Na arte pré-colombiana eram peças confecionadas para acompanhar uma pessoa morta e aqui eu posso sair de um lugar “morto” para deixar um espaço para as vidas que vão passar por aqui. Também acho muito interessante, pelo que li, da maneira como eram confecionadas as peças pré-colombianas. Aquilo é um ritual, em princípio seriam feitas por mais do que uma pessoa, mas aquilo era um ritual para o funeral e a beleza daquelas peças não seria vista por muitas pessoas. Pelo menos, não por uma maioria.

E aqui, eu acho que tem essa parte interessante do processo. As pessoas perguntam muito como é que isto vai ficar e, pelo menos para mim, o que me interessa é mesmo isso, é o processo, é poder requalificar o espaço. Obviamente que usei material adequado e com durabilidade, mas se isto começar a ficar gasto e danificado pelo uso, eu acho que aí vou ter conseguido chegar ao seu propósito, que é tornar este lugar acessível ao museu.

Nesta obra exploras muito o uso das linhas, das cores e das manchas. Que significado têm no teu trabalho artístico?

Podem ter muitos significados. Como eu disse, isto surge com a série “Sonho de voo” que vem de um pensador que nutre o meu trabalho, que é o Gaston Bachelard, que dizia que “o sonho de voo é fugir a um conjunto de performances dolorosas”. E eu parto um pouco daí, dessa rede, dessa trama. Esse “voo” que se quer levantar pode ser para fugir de um conjunto de performances dolorosas. Pode também representar uma rede ou um véu que nos é colocado nos olhos e que não nos deixa ver determinadas coisas. Pode ser essa rede que nos une… e mais do que nunca que sabemos como nos contagiamos uns aos outros. Eu acho que podem ser feitas muitas leituras. Eu, pelo menos, consigo fazer daqui muitas leituras e espero que as pessoas que vejam esta obra também possam ter as suas próprias leituras.

 

O que representa para ti teres uma obra em espaço público aqui na cidade onde nasceu Portugal?

Para mim representa muito, sem dúvida. É um lugar que eu gosto. É o meu primeiro trabalho de arte pública aqui na cidade onde nasceu Portugal, e espero que também possam nascer essa série de projetos que já mencionei que quero muito realizar. É uma cidade pela qual tenho um carinho muito especial. É também a cidade do meu marido e onde também gosto de estar com a minha família. Sou sempre muito bem recebida aqui. Todo este processo, a resposta e o interesse das pessoas foi espetacular. É realmente muito importante e sobretudo muito prazeroso.

A obra presente nesta escadaria quebra com o conceito típico de arte urbana com a forte presença da pintura de rostos. Esta é uma obra que se afasta do figurativo e é, ao mesmo tempo, uma obra muito delicada e elegante. Era este o resultado final que imaginavas?

Obrigada. Eu acho que isso é um elogio. Eu estou bastante contente com o resultado. Fiz muitos estudos e vejo que cheguei muito próximo daquilo que eu propus. Acho que o facto de fugir à arte pública que costumamos ver dos rostos, isso faz parte da curadora [Helena Mendes Pereira] que escolheu trabalhos mais elegantes por achar que é aquilo que as cidades precisam, de mais elegância.

Que comentários tens recebido das pessoas que por aqui têm passado? De que forma é que as pessoas interpretam esta escadaria?

As pessoas ficam interessadas. Querem saber mais e eu acho que isso é o mais importante e o mais interessante. A grande maioria disse palavras boas, gostaram e quando eu falo um pouco mais sobre o trabalho as pessoas ficam ainda mais interessadas e gostam ainda mais. Mas eu acho que uma parte muito interessante é também quando uma pessoa diz “eu não aprecio arte contemporânea”, mas depois pergunta alguma coisa relacionada com a obra e diz “agora já consigo ver alguma coisa, já percebi”. Acho que isso torna todo este processo mais interessante. Não tenho recebido comentários unânimes, e ainda bem, nem tenho essa pretensão.

Mas, no geral, as pessoas mostram-se muito interessadas e muito contentes com a possibilidade de voltar a utilizar este espaço. As pessoas perguntam muito como é que este espaço vai ficar, o que é que se vai passar aqui, como é que vai ser, se vai ser possível utilizar. Outros dizem “até que enfim, estas escadas precisavam de alguma vida”. O feedback foi muito nesse sentido. Já me disseram que esta escada parece um piano, mas também que se parece com um grande tapete ou um rio que corre.

Disseste que para ti o Minho é Memória. Queres explicar que memórias são essas?

É memória também porque vamos revisitar a história, inevitavelmente, e principalmente Guimarães. Mas é também uma memória muito pessoal. Os meus avós são todos portugueses. Recordo-me, por exemplo, de uma vez, tinha eu 6 anos e ainda não conhecia Portugal, e o meu avô trouxe-me um fatinho completo de Viana do Castelo e eu nunca queria tirar aquilo do corpo nem para dormir. Revisito aqui a história da minha família. É memória nesse sentido, em que traz a parte arqueóloga de dentro de nós, porque queremos saber mais dos nossos antepassados e da sua história.

Vais estar numa outra residência artística, em Vila Verde. Sais daqui mais motivada para esse próximo projeto?

Sim, completamente. Eu não sabia que ia trabalhar aqui nesta escadearia. Não imaginava qual seria a dimensão e foi um desafio muito grande. E há pouco ainda dizia que não posso dizer que agora sinto que sou capaz de tudo, mas sinto que sou capaz de muita coisa. Realmente vou assim muito mais à vontade, com muita mais motivação, sem dúvida.

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