Entrevista com Rodrigo Amado

Residência Artística em Mondim de Basto

Estivemos à conversa com o Rodrigo Amado que esteve em Mondim de Basto a registar fotograficamente paisagens e imagens do município, inserido no programa de residências artísticas AMAR O MINHO, promovido pelo consórcio MINHO IN (constituído pelas Comunidades Intermunicipais do Alto Minho, do Cávado e do Ave).

Qual foi a sua reação quando recebeu o convite para integrar este projeto de residências artísticas do AMAR O MINHO?

A minha reação foi de enorme alegria porque isto é o tipo de situação perfeito para qualquer fotógrafo. Aliás, para qualquer artista. Eu acho que uma situação de residência é sempre um privilégio para um artista, porque é uma oportunidade para estar a trabalhar sem ter condicionantes, para trabalhar com boas condições e com tempo para se focar totalmente, em termos de pensamento, naquilo que é a sua arte. Portanto, para mim, foi isso que eu imaginei. Ou seja, no meu dia-a-dia em Lisboa eu tenho que repartir aquilo que faço em fotografia, com o que faço em música, com a família, com amigos, etc. Portanto, as distrações e as interferências são muitas. Por isso, é raríssimo ter um período assim alargado em que eu esteja realmente focado apenas a pensar em fotografia.

É o tipo de situação que eu procuro quando preparo uma viagem como as que preparei nos EUA, em que eu vou para lá e vou só para fotografar e eu sei que vou estar a pensar em fotografia 24 horas por dia. Acordo de manhã e penso no que me apetece ir fotografar. É uma situação ideal. Neste caso com o desafio acrescido que iria estar num ambiente que é predominantemente rural e a trabalhar especialmente com paisagens. E para mim é um desafio porque não é um trabalho que eu faço sempre ou habitualmente e por isso fiquei super feliz.

Quer falar sobre o trabalho que está a desenvolver aqui em Mondim de Basto?

Está a correr bem. Eu acho que está a correr bastante bem. Eu precipitei um bocadinho as coisas no sentido de estar a trabalhar com uma intensidade um bocadinho fora do habitual nesta primeira semana, e já cobri praticamente 80% do território, o que é muito. O município de Mondim não é muito extenso, mas se se pensar em fotografar, em cartografar fotograficamente o território ainda é uma tarefa relativamente grande. Nesta primeira semana optei por acelerar um bocadinho para ficar com a segunda semana para me focar já em detalhes específicos, regressar a alguns dos sítios onde já estive, etc. O que é importante para se ir um bocadinho mais longe do que aquele impacto inicial.

O Rodrigo é reconhecido internacionalmente como um dos principais nomes do jazz de vanguarda europeu e é um dos mais aclamados saxofonistas e músicos jazz da atualidade. Tem uma forte ligação com a música e a fotografia. Como é que surgiu esta paixão pela fotografia aliada à música?

A ligação com a fotografia surgiu de forma natural desde que eu era miúdo. Eu há bocadinho [no workshop] estava a falar sobre isso aos participantes do workshop. Eu sempre gostei muito de viajar. Sempre tive um impulso grande para viajar e quando era mais novo fiz três interrails sozinho. Os meus amigos todos diziam “tu és maluco, vais sozinho, isso não tem interesse nenhum” e para mim era o oposto. Ir sozinho era o que me permitia viver aventuras e situações que quando se vai acompanhado não há hipótese. E, portanto, sempre foi muito mais fácil as pessoas convidarem-me para programas ou para ficar em casa, etc. Portanto, sempre foram viagens com muita aventura. E a fotografia era a forma que eu tinha para registar esses momentos.

Eu costumava imprimir em papel, imprimia naquele formato pequenino, naquele clássico que se imprimia nas tabacarias, por exemplo, e tinha as fotografias todas coladas na parede do quarto. E foi uma componente da minha vida que me ajudou a continuar a viajar quando estava nas tarefas do ano na escola, etc., e tinha aquela componente visual que me ajudava a viajar mesmo estando em casa.

Que género de fotografia lhe dá mais prazer tirar? Que momentos ou histórias gosta mais de fotografar?

O tipo de fotografia que eu faço, a melhor forma de descrever será uma “fotografia de rua”. E “fotografia de rua” no sentido em que é pegar na câmara, ir para a rua e fotografar. É fotografar tudo aquilo que capta a minha atenção. Podem ser pessoas, podem ser paisagens urbanas ou paisagens como aqui em Mondim. Ou até podem ser às vezes coisas abstratas, pormenores. Portanto, digamos que eu não tenho assim um traço muito específico para a minha fotografia, mas eu acho que a designação de “fotografia de rua” que será a mais acertada.

Vi em algumas das entrevistas que deu sobre o seu trabalho a nível musical que o improviso é a sua “especialidade”. Isso também acontece na fotografia?

Sim. Em termos de método, os métodos são muito parecidos, porque eu não planeio muito. Eu, por exemplo, a situação desta residência talvez tenha sido uma das situações em que eu tive mais oportunidade para planear alguma coisa. Pelo simples facto que sabia que ia estar aqui por duas semanas e, portanto, tinha esse tempo, esse time frame bem definido. E Mondim tem inúmeros pontos de interesse, desde cascatas espalhadas por todo o território, rios lindos, aldeias também… foi uma das coisas que me surpreendeu totalmente é o estado ainda de conservação de muitas das casas de xisto nas aldeias.

Eu acho que Mondim tem um potencial enorme e que ainda está um pouco por explorar. E, portanto, eu fui obrigado a planear alguma coisa. Mas depois no dia-a-dia, na realidade, muitas vezes eu saio de casa com uma ideia e acabo por fazer coisas… acabo por ultrapassar esse plano muito rapidamente. E, nesse sentido, eu acho que os métodos são muito parecidos.

Quais são as suas maiores referências na fotografia?

Eu tenho muitas. Mas, um dos fotógrafos que me marcou, e inclusive eu cheguei a dedicar-lhe um projeto musical de um dos discos que gravei foi dedicado à obra dele, que é o Stephen Shore. Que é um dos grandes mestres também de uma fotografia de rua. Há muitos… é difícil fazer um destaque porque interessa-me muito a história da fotografia. Foi uma das formas que eu utilizei para aprender, foi ver muita coisa, muito trabalhos dos fotógrafos. E quando há algum fotógrafo que me interessa particularmente estudar a obra dele a fundo… é difícil. Mas, falando num apenas eu diria o nome do Stephen Shore.

O Rodrigo é músico de jazz, viaja e dá concertos por todo o mundo, o que envolve uma grande parte do seu tempo. Que espaço ocupa a fotografia na sua vida?

Essa é uma questão importantíssima para mim agora. Porque o que aconteceu nos últimos cinco anos coincidiu mais ou menos com o período em que eu fiz a exposição no Museu da Eletricidade. A minha carreira musical começou a acelerar assim de uma forma muito intensa, e eu comecei a tocar no circuito de festivais europeu e de salas europeias. E então, o tempo que me rouba, não só os períodos em que estou fora em digressão, mas também a preparação dessas mesmas digressões, fez com que eu continuasse a fotografar, mas não tivesse o tempo suficiente para processar esse trabalho. O que é uma componente importantíssima do trabalho de qualquer fotógrafo, que é olhar para as imagens que fez e tomar decisões, escolher trabalho, identificar núcleos temáticos, etc.

Portanto, o que tem acontecido um pouco é que a fotografia ficou um pouco para trás. E agora este período da pandemia para mim foi importantíssimo por causa disso, porque tive uma paragem compulsiva na atividade musical. E, apesar de aproveitar para praticar bastante mais do que praticava anteriormente, fiquei também com bastante tempo para dedicar à fotografia e é o que tenho feito. Tenho estado a ir atrás e ver todo o trabalho destes últimos cinco/seis anos e a preparar novos projetos, livros, etc.

Em alguns dos seus concertos incluiu uma série de imagens fotográficas que fez nos EUA. Sente que a fotografia ajuda a complementar o seu trabalho musical?

Eu faço, digamos, e imaginando as coisas independentes também, ou seja, para mim é uma ideia e um conceito fascinante trabalhar música com imagens. E, portanto, eu tinha feito já um projeto há cerca de 7 anos na Culturgest, foi a única vez antes desta em que eu fiz isso, em que utilizei imagens de um projeto que fotografei em Nova Iorque, para projetar num concerto com o quarteto Americano, portanto, a ligação era essa. Os outros músicos eram todos americanos, e a razão por que o fiz nessa altura foi porque as condições da Culturgest são excecionais em termos de projeção. Ou seja, eles conseguem projetar em ecrã gigante, em ecrã completo, toda a parte de trás do palco que é ocupada pela projeção de imagem e sem perder qualidade.

Portanto, nós estamos a ver com a mesma qualidade com que veríamos as imagens num ecrã de computador, por exemplo. E nessa altura foi uma experiência que resultou bastante bem, mas também não é um tipo de trabalho que eu quero fazer frequentemente, porque é uma coisa realmente especial. Cria um tipo de emoção, um tipo de energia que é especial e eu pretendo que se mantenha assim. Portanto, não pretendo fazer isso muitas vezes. E então, o ano passado decidimos fazer novamente, novamente também na Culturgest, pela mesma razão. E foi uma vez mais um momento super especial.

O Rodrigo tem na sua família uma grande ligação às artes. O seu pai, Manuel Amado, é um dos mais singulares nomes da pintura contemporânea portuguesa e o seu avô, Fernando Amado, tinha uma forte ligação ao teatro. Acha que isso foi um fator determinante para também o Rodrigo ter escolhido o caminho das artes?

Acho que sim. Ou seja, isso é o tipo de ligação que nós nunca podemos fazer de uma forma direta. Mas eu acho que sim. Acho que o ambiente onde nós crescemos condiciona-nos, sem dúvida. Eu sempre cresci rodeado de muita pintura, de imagens, de artistas… Eu até diria que essa foi a parte mais importante, a parte humana. O contacto desde pequeno com pessoas que têm uma visão da vida diferente e muitas delas com personalidades fortíssimas, pessoas marcantes, e esse tipo de energia são experiências que me marcaram muito e eu acho que têm muito a ver com o meu trabalho atual.

É da opinião que ainda é difícil ser artista em Portugal?

Eu acho que ser artista é difícil em qualquer parte do mundo. Há períodos em que é um bocadinho menos difícil e há outros períodos em que é bastante mais difícil. Eu acho que Portugal fez uma evolução que teve início na Revolução de 1974, e a partir daí fez uma evolução brutal. Portanto, aquilo que é possível fazer hoje como artista em Portugal não tem nada a ver com o que era possível há 20 anos atrás. E, nesse sentido, acho que nos aproximamos muito da Europa.

Agora, existe ainda uma diferença grande em termos do trabalho que os artistas desenvolvem em Portugal comparando com os nossos congéneres europeus, que tem a ver com os apoios. A diferença aí é abismal, principalmente se pensarmos nos países do Norte da Europa que realmente apoiam os artistas. E obviamente que isso faz uma enorme diferença. Portanto, eu acho que ser artista em Portugal envolve sempre uma disciplina de algum sacrifício, ou pelo menos de simplificação dos nossos hábitos.

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