À conversa com o Moinho da Fonte Santa
O Moinho da Fonte Santa funciona como um retiro para a criação artística, dedicado a artistas, performers, escritores, investigadores, músicos, etc.. Por meio de um programa de residências, com uma duração variável de alguns dias a três meses, o espaço fomenta um ideal de partilha e de contacto com a natureza, numa área geográfica isolada nas margens da ribeira do Lucefecit, Concelho de Alandroal.
Decorridos 15 meses de projeto, conversámos com Mafalda Santos e Manuel Mesquita, os criadores do conceito desta residência artística, sobre o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido.
Qual o propósito de criação do Moinho da Fonte Santa?
O Moinho da Fonte Santa foi criado com o objetivo de manter e desenvolver a dinâmica criativa e de convívio que sempre existiu nesta casa, enquanto residência do pintor Michael Biberstein e da escritora Ana Nobre de Gusmão, durante mais de dez anos. O Moinho foi lugar de encontro de muitos amigos, artistas, músicos e aquando do falecimento do pintor Biberstein sentimos (na altura vivendo em Lisboa) que era a altura certa nas nossas vidas para encabeçar um projeto desta natureza, que pudesse manter a Fonte Santa a funcionar.
Quantos artistas já fizeram parte destas residências?
Desde o seu início em janeiro 2014, já tivemos alguns projetos coletivos e individuais aqui connosco. Não só artistas plásticos, das artes visuais, mas também bastantes músicos, alguns realizadores de cinema, que na maior parte das vezes vieram trabalhar na escrita de argumentos e até pessoas que vieram desenvolver teses de doutoramento, etc. Mas um número aproximado…: individualmente talvez umas quinze pessoas e projetos coletivos, uns cinco. Tivemos também um workshop que correu muito bem, orientado pela artista Claire de Santa Coloma, que aproveitou materiais aqui das redondezas: recolheu uma série de madeiras diferentes e o workshop girou à volta da talha de madeira.
Agora estão a decorrer residências que, essas sim, já foram programadas por nós, com pessoas que vieram cá desenvolver trabalho a nosso convite, com o apoio da Gulbenkian que obtivemos no final de 2014. São três as residências que se estão a desenvolver aqui beneficiando dessa verba.
Uma com o ‘Círculo das Leitoras Peripatéticas’, de Susana Gaudêncio, Sofia Gonçalves e Susana Pomba, que trabalharam a partir do material da ‘Biblioteca Biberstein-Gusmão’, para a escrita dum guião a ser lido durante uma caminhada aqui à volta do Moinho. Teremos uma apresentação pública desta iniciativa no final de Maio.
Recentemente tivemos a Oficina Arara (do Porto), que trabalha sobretudo em serigrafia e que faz uma série de projetos de rua e publicações independentes.
Vamos ter outro grupo de artistas que tem participado numa sucessão de exposições comissariadas pelo João Fonte Santa [o apelido Fonte Santa é uma feliz coincidência] e vamos fazer uma publicação com eles.
Duas destas residências vão resultar em edições sob a chancela do Moinho da Fonte Santa.
Tivemos aqui recentemente o guitarrista Filipe Felizardo numa investigação sonora e filosófica, gravando o seu novo álbum com o apoio técnico de Cristiano Nunes. Virá ainda no próximo verão o pianista Giovanni Di Domenico, um visitante recorrente desta casa, para uma experiência de piano que, provavelmente, também resultará numa gravação feita aqui pela nossa estrutura caseira de gravação, a ‘DoubleDog Music’, fundada informalmente há já muitos anos a partir de uma ideia do Pintor Biberstein, que foi o grande sponsor espiritual da música que rolou, rola e rolará aqui na Fonte Santa.
De que forma é conduzido o processo de seleção?
É um processo bastante simples. As pessoas descrevem-nos o que pretendem fazer, o tempo que pretendem ficar e depois tudo isso é ajustado conforme o nosso calendário e a disponibilidade das pessoas que propõem a sua vinda. Nós temos um ano e alguns meses de existência, claro que os primeiros projetos foram mais motivados por ligações de amizade, afinidades profissionais com pessoas que colaboram connosco e portanto nós já conhecíamos a maior parte dos residentes. No entanto, começamos agora a receber algumas propostas de pessoas novas, inclusive de outros países. Mas é e será sempre um processo bastante informal.
O que distingue esta residência artista de outras entidades semelhantes?
Primeiro, o facto de ter surgido a partir deste legado, desta história que a casa já tinha, como residência da escritora Ana Nobre de Gusmão e do pintor Michael Biberstein. A convivência nesta casa já estava revestida de uma certa aura, este sítio sempre foi visto como uma experiência mágica, de encontro, criação, ligado à música e às artes. Por outro lado, o facto de se encontrar no Alentejo profundo, num enquadramento natural muito singular, muito bonito [é um sítio junto a um ribeiro], que fica a 10km da vila mais próxima, por isso é um lugar isolado, que convida também ao retiro e à contemplação.
Perto do Moinho também temos acesso a locais de interesse arqueológico únicos no país, de culto a Endovélico, de tradições pagãs pré-romanas. Toda esta zona está por isso revestida de um certo “magnetismo” ou carga mística.
Que género de trabalhos têm sido desenvolvidos no Moinho?
Os visitantes têm trabalhado em desenho, vídeo, escrita de argumentos (tivemos uma dupla de realizadores, o Jeremy Perrin e a Hélène Robert, que estiveram a trabalhar num argumento dum filme que já está em rodagem, bem como o Ben Rivers e o Gabriel Abrantes, que também estiveram a desenvolver um argumento para uma curta-metragem que foi filmada no verão passado), temos tido bastantes músicos, que aproveitam para tocar juntos e gravar, por exemplo, o Norberto Lobo a tocar com um músico canadiano, o Eric Chenaux, a preparar material conjunto e dois concertos que deram em Portugal. Houve um pouco de tudo. As publicações futuras do ‘Círculo das Leitoras Peripatéticas’ foram maioritariamente escritas aqui. Recentemente tivemos o Natxo Checa, director da ZDB, a trabalhar na edição da sua primeira curta-metragem. A Cláudia Varejão foi a nossa primeira residente e esteve a trabalhar na preparação de um novo filme que rodou no Japão para além de nos ter ajudado sobremaneira na construção do site e registo fotográfico da Fonte Santa e arredores.
Qual o tipo de atividades que costumam organizar para os artistas residentes?
Organizámos algumas sessões de cinema ao ar livre, sobretudo quando fizemos o workshop com a Claire de Santa Coloma, em Maio de 2014, em que tivemos uma semana muito intensa. Mas no fundo a residência destina-se mais a desenvolvimento de trabalho dos visitantes e não há atividades públicas porque o espaço não se presta tanto a isso. Essas são situações muito pontuais.
Existem sim, outras actividades/colaborações que já saltam do domínio espacial do Moinho Fonte Santa, como foi o caso do festival de cinema ‘Porto/Post/Doc’, em Dezembro passado, em que se criou, em parceria com o Moinho, um prémio ‘Biberstein-Gusmão’ que celebra a dedicação destes dois artistas à arte e ao cinema, distinguindo jovens realizadores até aos 35 anos e que consiste numa residência para preparação/desenvolvimento de trabalho cinematográfico.
Foi a convite do Museu Bernardo que o Moinho também exibiu recentemente o filme de Fernando Lopes, filmado aqui no Alandroal em 2008, um documentário com Michael Biberstein chamado ‘O Meu Amigo Mike ao Trabalho’, uma sessão que teve na primeira parte um video-concerto de Garcia da Selva (Manuel Mesquita) e que foi um pretexto que aproveitámos para darmos a conhecer melhor o nosso espaço e a nossa actividade no Centro Cultural Transfronteiriço de Alandroal onde, no âmbito do Festival Terras de Endovélico, organizado pela Camara Municipal de Alandroal, fomos convidados a organizar uma exposição coletiva com trabalhos de alguns dos artistas que por aqui passaram ao longo do ano.
O que é necessário para ser residente?
Elaborar um projecto e datas para o desenvolver, anexando alguma informação sobre os objectivos da residência. Tem tudo a ver com a duração da residência, com o calendário, a compatibilidade logística do projecto e também com a possibilidade de encontrar um compromisso financeiro, porque no caso das candidaturas independentes, é necessário que estas sejam auto-sustentadas já que o Moinho ainda não pode oferecer a permanência, transporte, alimentação, etc.. A resposta é sempre rápida e os critérios são muito alargados.
Acima de tudo interessam-nos pessoas que possam tirar o melhor partido deste lugar e que possam desenvolver aqui o seu trabalho livremente.
Mais informação sobre o Moinho da Fonte Santa aqui.