DUALIDADES OU A ESSÊNCIA DA INCORPORAÇÃO é uma exposição coletiva que reúne cinco propostas artísticas que partem da pintura para a construção dos objetos, de leitura bidimensional, ainda que parasensorial, que incorporam outras disciplinas, direta ou indiretamente, provocando um jogo de efeito dual que nos leva a questionar conceitos como os de figuração e abstração, barroco e minimal, som e silêncio, erotismo e naïf. Mantendo o pressuposto de uma seleção de autores multigeracional, esta exposição da zet gallery é um regresso à pintura (ready made historicista) e à interpelação do espaço expográfico como cubo branco da construção dos sonhos. Maria João Oliveira (n.1946), André Lemos Pinto (n.1976), Fátima Santos (n.1983), Alexandre Coxo (n.1987) e Sofia Leitão & Henry Nesbitt (n.1971 & n.1969) comungam da geometrização nas composições que criam (no) espaço como dele partem. Diferenciam-se. Entendem-se. Incorporam-se. Devolvem-nos à calma das estações do meio porque só a Arte é capaz de contrariar o tempo e de iludir o espaço.

O trabalho do génio poderá ser a música, a filosofia, a pintura ou a poesia; nada é para uso ou proveito. Ser inútil e não lucrativo é uma das características das obras de um génio; é a sua patente de nobreza. Todos as outras obras humanas existem apenas para a manutenção e alívio da nossa existência; apenas as que aqui são discutidas não o são; elas somente existem para o nosso próprio benefício e devem ser vistas desta forma tal como a flor… da existência. O nosso coração fica por isso encantado com o seu prazer, pois emergimos da pesada atmosfera terrestre de necessidade e desejo.¹

DUALIDADES OU A ESSÊNCIA DA INCORPORAÇÃO é uma exposição coletiva que questiona os limites e as possibilidades da pintura, bem como questiona uma necessidade de categorização do objeto artístico que, além de desnecessária, me parece difícil. Aliás, considerando uma formação de base em História da Arte, tenho sérias dúvidas que a classificação que marca a produção artística do século XX ajude o espectador não especializado a compreender, valorizar e a apreciar esteticamente obras de arte que os textos historiográficos tendem a encerrar em ideias, em vez de abrir em possibilidades de leitura da esfera sensível de cada um. É um facto que para a análise da produção artística mais recente, e mesmo a de todo o século XX, não temos, ainda, o distanciamento espácio-temporal necessários para julgar criticamente propostas de criação plástica e visual que, constantemente, se submetem a revisões, autoquestionamentos, recuperação de artistas e movimentos que, no seu tempo, passaram despercebidos², somando a tudo isto a manutenção de referências de há cem anos em revisitações vanguardistas mas que respeitam teórica e poeticamente, ideias anteriores, como aqui se propõe. Neste sentido, e em jeito de conclusão, neste ready made historicista do regresso à pintura [na programação da zet gallery] deixamos entrar as dúvidas dos artistas e as nossas, negando a inspiração como único e último reduto e afirmando um coletivo de persistentes trabalhadores, mágicos da cor e da forma que, até 10 de novembro, são a nossa música.

A inspiração respeita-nos quando somos corajosos, quando arriscamos algo e quando nos esforçamos para dar forma às nossas expressões. Podemos ter a certeza que quando tivermos esta atitude, a força muscular que transforma as ideias em formas irá desenvolver-se e crescer e tornar-nos tão fortes como um touro.³

Helena Mendes Pereira
chief curator da zet gallery

¹SCHOPENHAUER, Arthur – The World as Will and Representation. Citado em DANTO, Arthur C. – After the end of Art: contemporary art and the pale of History. New Jersey: Princeton University Press, 1997. Pag. 81.
² CUEVAS, F. Javier Panera – “Hacia una caracterización del arte contemporáneo?” In MIR, C. Lidón Beltrán (ed.) – Educación como Mediación en Centros de Arte Contemporáneo. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2005. Pag. 48.
³NAGLER, JoAnneh – How to Be an Artist Without Losing Your Mind, Your Shirt, or Your Creative Compass. New York: The Countrymann Press, 2016. Pag. 98.

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