A exposição coletiva internacional que agora apresentamos na galeria shairart dst constitui-se de artistas que exploram a temática do corpo e do quotidiano, em linguagens que vão do neoexpressionismo, de raiz anglo-saxónica, ao hiper-realismo, tendência crescente do século XXI e da itinerância entre os contextos cosmopolita – porque solitário e ruidoso – e quotidiano, porque do interior da casa e da expressão simples da intimidade partilhada.

A seleção de artistas integra os portugueses Ana Monteiro (n.1990), Gustavo Fernandes (n.1964) e Manuel Rodrigues Almeida (n.1989); os espanhóis Alejandro Casanova (n.1981), Jaume Mora (n.1995) e José Higuera (n.1966), o grego Giorgos Kapsalakis (n.1994) e o venezuelano, ainda que residente em Portugal, Juan Domingues (n.1981).

O facto de os artistas serem provenientes de países do sul da Europa, de raiz na cultura greco-romana, é outro dos denominadores comuns de FROM THE SOUTH que começa, precisamente, por questionar o conceito de Sul, numa proposta de reflexão sobre a identidade europeia e sobre os muros que esta ergue, ignorando a essência dogmática (porque instituída) da História dos povos.

A intencionalidade da curadoria propõe uma viagem sobre as (trans)vanguardas europeias do pós-II Guerra Mundial, com incidência sobre a tradição do corpo, enquanto valor semântico, moldado pelo contexto social e cultural, através do qual o Ser Humano evidencia e constrói a sua relação com o mundo. Contudo, não estamos a viver um tempo de pós-guerra que possa comparar-se às décadas de 1950-60, cujos horrores despertam a libertação do corpo da sua iconografia secular, passando a ser expressão em si mesmo. Não estamos. Mas estamos numa guerra, nós globais e cidadãos do mundo, mediterrâneos e europeus, e a assistir à explosão dos egos da geopolítica, em macro e microescala, geradores de conflitos sociais, promotores do terrorismo e incentivadores do ódio.

Não há, por isso, nestes oito artistas, a angústia de pintar de Francis Bacon (1909-1992), de Lucian Freud (1922-2011) ou de Graham Sutherland (1903-1980). Mas há em Ana Monteiro a pressão de ser mulher e ser um corpo. Há em Juan Domingues e Manuel Rodrigues Almeida o gosto pela perfeição do detalhe, em figuras isoladas, modelos sem cenários, mulheres-estátua, de violência latente. Há em Gustavo Fernandes e Jose Higuera a extensão do real que se torna hiper-real na tela, como se tornaram as agudezas do cinema neorrealista italiano dos anos de 1940 em violentas imagens de circulação massiva. Mas há sobretudo o gosto pela imagem, pelo belo e pela pureza da luz na cidade, na urbanidade, na vida e na imaginação. Há em Alejandro Casanova, em Giorgos Kapsalakis e em Jaume Mora a tristeza, o isolamento, a sensibilidade e a depressão da pós-modernidade, em corpos em que a expressão se expande para a narratividade do cenário, para a distância em relação ao seu contorno ou para as potencialidades expressivas do desenho, respetivamente.

Em cada um deles, contudo, distingue-se o gesto, a expressão texturada do pincel, do pastel ou da multiplicidade de materiais utilizados, conferindo a cada um marca e futuro. Aliás, a relação da linguagem com o repertório gestual, com a expressão corporal e as suas ambiguidades, é a essência das obras em mostra.

Por fim, interessa notar a intencional ausência de referências aos currículos dos artistas (ainda que eles estejam disponíveis na plataforma www.shairart.com), mantendo-se apenas o apontamento sobre a sua data de nascimento (que permite o enquadramento geracional e de história de vida) e sobre a sua geografia, condição sine qua non da seleção. Desta forma, é o espetador, sem amarras ou pré-conceitos sobre o que é e não é o êxito, o juiz do gosto, contrariando as convenções de serem a Academia, o crítico, o Museu e o institucional os reguladores de mercado. Interessa-nos este ponto de vista contemporâneo de apropriação por parte do espetador em que shairart é simplesmente espaço de Liberdade e de mediação entre a Arte, os artistas e os públicos.

Para ver até 2 de setembro de 2017.

Helena Mendes Pereira

shairart chief curator

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