ANA MONTEIRO: Camadas do Ser

O estilo figurativo e o autorretrato são duas das grandes particularidades que caracterizam a obra de Ana Monteiro (PT, 1990), que justifica o uso destas propriedades devido à facilidade da conexão emocional com as suas obras, apelando à capacidade de comunicação, de compreensão e transformação. Através da figuração é lhe possível controlar e mimetizar os pedacinhos de realidade, com precisão e menos caos.

No que diz respeito às temáticas do seu estilo artístico, estas sofreram várias alterações, à medida que o que tempo foi passando, a sua técnica foi-se desenvolvendo. Tal como que a maneira de pensamento e de composição da pintura foram acompanhando a evolução do mundo do seu eu interior.

Tal como a teoria defendida pelo neurologista e psiquiatra austríaco, Sigmund Freud (AU, 1856), em que os sonhos são caminho para o conhecimento do inconsciente, a pintura da nossa artista bracarense age como um mergulho profundo na sua própria identidade, através da autorrepresentação. A sua faceta camaleónica dos seus diferentes retratos pretende mostrar a maneira de como se identifica interiormente. Repleta de inquietudes, a artista sente-se povoada pelas diversas partes de si própria que coexistem dentro de um único elemento.

Esta forma de autorretrato possuí, no entanto, o objetivo de se ampliar, deixando de ser apenas uma personalidade específica e tornando-se alguém que personifique um estado de espírito perante a realidade. Freud sempre procurou uma resposta para a análise dos sonhos, tratando o assunto como uma ação elaborada, com diversas camadas, da mesma maneira que diferentes personalidades. A estrutura de um sonho pode ter níveis divergentes, chegando aos mais cenários mais absurdos e através do consciente  pretende mover os pensamentos reprimidos para permitir que o sujeito atinga a cura automática:

“Esta função [da tendência] prossegue de uma forma que o poeta atribui maliciosamente ao filósofo: com os seus trapos e farrapos, impede as ruturas na estrutura do sonho. O resultado dos seus esforços é que o sonho perde a aparência de absurdo e incoerência e aproxima-se do padrão de uma experiência inteligível. Mas o esforço nem sempre é sinónimo de êxito total. (…) Estes sonhos têm sido submetidos à elaboração mais procurada por uma função psicológica semelhante ao nosso pensamento desperto; parecem ter um significado, mas este significado está muito longe do verdadeiro significado do sonho”.[1]

Gostamos de pensar que arte pode ser um sinónimo de sonho devido às suas diferentes interpretações e aos diversos sentimentos que podem provocar e transmitir. Ana Monteiro inspira-se no seu estado de permanente inquietação que escolhe não ignorar, uma perceção ativa do desconforto que a leva obrigatoriamente ao ato de pintar. Tenta preencher ansiedade de quem desconhece as respostas para todas as perguntas existentes (tal como as camadas de sonhos) com a pintura, em que as imagens do seu quotidiano, as combinações de cores e formas atípicas, as diferentes pessoas e a realidade se enquadram nas suas obras.

Ana Monteiro licenciou-se em Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde também realizou o mestrado na mesma área. Desde então tem feito exposições nacionais e internacionais em vários locais, nomeadamente Portugal, Brasil, Estados Unidos da América, Itália, entre outros. Sendo representada pela zet gallery desde 2014.

Ana Monteiro – Não-Lugares, 2021

 

Andreia Vasconcelos

Rita Fonseca

 

[1] FREUD, Sigmund, traduzido por A.A. Brill – The Basic Writings of Sigmund Freud (1995). Modern Library Edtion.

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