Luís Canário Rocha (n. 1986) é natural de Guimarães e fez a sua formação académica em pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A influência da Academia e dos métodos faz-se sentir no traço virtuoso, por um lado e, por outro, no processo de investigação experimental.
Ao longo dos últimos anos tem vindo a desenvolver um conjunto de trabalhos de forte influência neoexpressionista e, em particular, do americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988). É aliás curiosa esta associação ambiental àquele que é considerado o artista que inventou o conceito de arte urbana, hoje institucionalizada. Luís Canário Rocha pertence a uma geração de artistas como Vhils, Hazul Luzah, Daniel Eime, entre outros, que aplica a aprendizagem da academia à intervenção urbana, devolvendo ao desenho e à construção do real espaço privilegiado. Da rua e das linguagens de intervenção urbana, traz a paleta viva e as palavras (repletas de conotação social e política) que povoam o suporte e os temas.
A evolução que se tem verificado na obra de Luís Canário Rocha, nos últimos dois anos, revela-nos, ainda, a adesão a uma das tendências da pós-modernidade artística: a dessacralização dos suportes, recorrendo aos reutilizáveis. Neste caso, destacam-se os trabalhos em e sobre madeira da série: Cidades. Estas cidades, imaginadas, remetem-nos para cenários conhecidos de viagens reais ou virtuais mas, sem dúvida, envolvem-nos no ambiente cosmopolita e denso dos nossos dias.
Numa perspetiva crítica face ao futuro, o trabalho de Luís Canário Rocha prepara-se para deixar a dimensão do atelier e ser devolvido à urbanidade a que pertence. Com dimensão de instalação e de site specific estamos perante um artista promissor, capaz de nos entusiasmar e, ao mesmo tempo, nos fazer refletir. Sem dúvida que este é um caminho que merece a atenção do mercado e do meio, pelas pistas que nos revela sobre o ciclo reativado da arte de urbanidade, sobre as cidades e sobre o Homem que nelas habita.
Recentemente, no âmbito de uma exposição do AMIarte, núcleo de intervenção cultural da AMI, que esteve patente na estação de comboios de Braga, o público teve oportunidade de ver algumas das obras desta série, em que combina as dimensões e especificidades da escultura e da pintura. O processo criativo passa pelas construções em madeiras provenientes de móveis antigos, de utensílios partidos, de paletes e de outros objetos consequentes do desperdício humano diário. Somos seres acumuladores e as cidades são produto desse excesso, de consumo, mas também de carência. Após a recolha, comum a tantos artistas da sua geração e semelhante à que instituições e indivíduos fazem, diariamente, como forma de sobrevivência, entra a mão do artista, na construção do objeto e na pintura que recorre à tinta acrílica, ao spray e aos marcadores, cruzando o universo da Pop, as palavras de ordem (ou da publicidade) que marcam os muros das cidades e, ainda, a palete do neoexpressionismo alemão que parece influenciar este jovem artista.
Estas cidades são pequenas e facilmente portáteis como as memórias da efemeridade dos dias, ou mesmo como a regularidade das viagens, maior desejo e anseio do ser humano pós-moderno. Contudo, cada uma delas é enorme no esforço e na vontade de existir. Talvez o reflexo do artista que reside numa cidade que não é capital, mas que luta por existir no contexto da globalidade, conseguindo-o mas, mantendo-se anónima aos olhos dos tais habitantes da capital que, incapazes de sair da sua redoma, também não a engajam nas suas identidades em definição.
As cidades de Luís Canário Rocha são sobras. São sobras de outras cidades, esquecidas, excluídas, por não se encaixarem no sistema, no lobby do mercado, do turismo e do tão afamado cosmopolitismo que mais não é do que ausência e desperdício. As cidades de Luís Canário Rocha são os bairros de sonho de cada um de nós, pessoais e únicos, mas munidos de arranha-céus, grandes cúpulas e vistas sobre o mar. As cidades de Luís Canário Rocha permitem uma mudança, que começa no interior e se estende a uma forma de vinha. Por outro lado, são também sinónimos de inconformidade e, abraçando-se entre si, procuram força, poder e domínio. O tal domínio do artista sobre o futuro ou, simplesmente, no espetador sobre a própria obra de arte.
Destacam-se três destas cidades, cuja expansão se alarga à subsérie Cidades de bolso, selecionada para a II Bienal de Gaia. Em cada uma delas há a fragilidade individual que é combatida pela força do coletivo. Sempre. Poderiam ser as Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, considerando que em todas elas há imaginação e relato, género, trocas, memórias, delitos, céu e inferno, vida e morte. Contudo, em todas elas, tendencialmente, vemos outras em que estivemos e que nos parecem ser ali, naquele pequeno atlas em madeira pintada de Luís Canário Rocha. Não são. Mas é nessa dimensão que o artista perde a propriedade da sua criação, passando o público a detê-la.
Por fim, há Bauman em todo o processo intelectual e construtivo desta proposta de Luís Canário Rocha: estas cidades, com marcas globais e associáveis a territórios distintos, carregam em si a pós-modernidade líquida e, sobretudo, a dicotomia da confiança e do medo que marca a nossa vivência dos lugares.
Helena Mendes Pereira
chief curator da shairart