HAVEMOS DE IR AO FUTURO

No dstgroup temos a paixão dos livros e da leitura e, em pleno período pandémico com o nosso campus longe da sua vida habitual e próximo, em alguns dias, da imagem de uma cidade-fantasma, José Teixeira, Presidente do Conselho de Administração e fundador da zet gallery, lembrou-se de habitar o espaço com excertos de textos de poetas, escritores.

Num dia de dezembro de 2020, mergulhada em tantas dúvidas sobre o futuro, na entrada do Centro Logístico, estava (e está) uma faixa com esta frase de um poema da Filipa Leal “havemos de ir ao FUTURO”. Fotografei-a e partilhei-a nas redes sociais, sem saber muito bem do porquê de me ter tocado tanto, naquele dia, naquela fase da minha vida e da nossa vida coletiva. Talvez porque para alguém, como eu, que sempre planeou tanto e procurou estruturar tanto a sua vida, este período da pandemia trouxe a dúvida diária sobre o que nos espera.

No momento em que preparamos a exposição coletiva HAVEMOS DE IR AO FUTURO, o mundo é atravessado pela (ainda) luta contra a pandemia e pelo horror da guerra, não só em território europeu como em tantos outros pontos do mundo e todas as nossas respostas a estas emergências humanitárias nos parecem insuficientes e nos fazem sentir que somos verdadeiramente insignificantes na nossa ação, quando confrontados com estes desafios globais. Pergunto-me, muitas vezes, pode a Arte mudar o mundo? Acredito que a Arte é o princípio e nunca o fim. É a possibilidade da eternidade, é a certeza da mudança, na expetativa da antecipação do que aí vem, do tal futuro.

Ao longo da História da Arte, e em particular no período pós-segunda guerra mundial e coincidindo com a emergência das vanguardas das décadas de 1960/70, que centenas de artistas  intencionalizaram e intencionalizam as suas produções na perspetiva do ativismo, do alerta e da ação sobre o mundo. A curadoria política é a principal tendência de programação da atualidade. Basta pensarmos, por exemplo, nos temas das últimas edições das mais relevantes estruturas de criação e programação artística do mundo, tais como bienais, museus, feiras.

A Arte será a mais sublime e eficaz forma de política. Escreveu Friedrich Nietzsche (1844-1900) que “Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade. Somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida”. Em 1993, Antuérpia foi Capital Europeia da Cultura e partiu de uma pergunta como tema agregador de toda a sua programação: “Pode a Arte mudar o mundo?”.

O sociólogo alemão Herbert Marcuse (1898-1979) escreveu, na resposta a esta demanda, que “A arte não pode mudar o mundo, mas pode contribuir para a mudança da consciência e impulsos dos homens e mulheres, que poderiam mudar o mundo” e, ainda, que “A arte combate a reificação fazendo falar, cantar e talvez dançar o mundo petrificado”. Pablo Picasso (1881-1973) afirmou que “Não, a pintura não é feita para decorar os apartamentos. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.”

Naquele dia, em dezembro de 2020, tolhidos por tantas dúvidas sobre o futuro, talvez a frase da Filipa Leal tenha trazido exatamente esta resposta: a Arte pode e vai mudar o mundo e, com ela, iremos ao futuro. Sempre. Quando comecei a desenhar esta exposição sabia que aquela frase da Filipa Leal era o mote e o título. Soube, também, que a Filipa Leal tinha que fazer parte desta viagem espacial e especial e foi por isso que a convidamos para partilhar a curadoria da mesma.

A zet gallery manteve, desde o primeiro dia, parte da sua estratégia centrada na divulgação de artistas em início de caminho. Entendemos que a nossa ação, enquanto galeria, não se deve pautar só pela aposta em valores seguros, mas pelo risco e ousadia de nos atrevermos a afirmar a nossa crença no talento. A história do sistema da arte é feita de visionários, de colecionadores, galeristas, críticos e curadores que, em dado momento, escreveram o nome de anónimos nos anais da História. Não nos negamos a essa responsabilidade de moldar o futuro, a todos os níveis, e também no campo artístico.

Tem sido regular a nossa atenção ao trabalho feito pelas instituições de ensino superior artístico e a outros contextos de apresentação de jovens valores. Como tem sido prática, o nosso exercício de descentralização dos epicentros criativos mais evidentes, estando atentos à globalidade do país e do mundo, considerando que num tempo digital faz cada vez menos sentido não fomentar o acesso global às oportunidades.

Quando começamos a pensar num conjunto de artistas para uma exposição que tem como objetivo apresentar uma dúzia de artistas que, acreditamos, terem o Olimpo como destino, fizemos o exercício de diversificar, o mais possível, a pesquisa pelas instituições de ensino superior artístico nacionais e por uma extensão de território ambiciosa e de afirmação de novos centros criativos.

HAVEMOS DE IR AO FUTURO é, assim, uma proposta nossa, uma ousadia que cometemos, acreditando que a Arte pode e vai mudar o mundo, que queremos fazer parte dessa mudança e queremos também definir, propor, quem vai connosco até ao futuro, quem escreverá connosco a História do porvir.

A equipa da zet gallery participou, na íntegra, no processo de pesquisa e de escolha dos artistas e, a propósito da Unidade Curricular de “Prática Expositiva” que leciono na Licenciatura em Artes Visuais da Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho, desafiei também os estudantes para se juntarem ao projeto, sendo deles a escolha de um dos artistas, bem como a produção de parte do discurso sobre cada um, no seguimento do trabalho coletivo feito em aula. No tal futuro onde queremos ir, gostávamos que fosse em maior número o trabalho coletivo e colaborativo. Por isso, temos que começar a ser exemplo agora, já.

As propostas destes 12 jovens artistas inserem-se, assim, num possível enquadramento conceptual do que é a vastidão da produção artística contemporânea, definível na ideia dos cinco D, que tive oportunidade de apresentar na minha dissertação de doutoramento:

Democratização | Dessacralização | Desmaterialização | Descaracterização | Descentralização.

Os autores apresentam uma diversidade de meios e tecnologias nos seus processos criativos, convocando as disciplinas do desenho, da pintura, da escultura, da serigrafia, da arte computacional e novos media, da performance, num pensamento instalativo e de relação das obras com o espaço. Viajamos de tendências da figuração, ao minimal e/ou abstrato, em registos de interioridade e observação do mundo, repletos de poesia e inquietação. Os excertos que se seguem, bem como as palavras-chave, resultam desse trabalho coletivo, desenvolvido em contexto de aula, em que nos obrigamos a olhar o outro e a pensá-lo na expografia geral.

1. No trabalho de ADRIANA OLIVEIRA, que inaugura o caminho, a repetição cria a forma. Tateando o espaço da folha, secciona rigorosamente o traço, tomando sempre a decisão sobre o vazio e o cheio.

conceitos-chave: construção | módulo | obsessão | marca | ritmo | rigor | grelha | exaustão | temporalidade lenta | transe | padrão

2. No trabalho de INÊS NÊVES a linha assume o papel construtivo da experiência do corpo e do espaço que o envolve. O traço transforma-se numa composição dinâmica e multidisciplinar que se desenvolve temporalmente onde a marca é tradutora da performance.

conceitos-chave: ação | linha | rastro | dimensão | ritmo | movimento | tradução | corpo(s) | experiência | comunicação | construção | fisicalidade | temporalidade

3. Podemos dizer que o trabalho do DIOGO NOGUEIRA é complexo, considerando que nele podemos encontrar, em simultâneo, questões semelhantes e contrárias. Podemos, desde já, perceber que no seu trabalho é habitual a presença de um ambiente doméstico que em determinados casos chega mesmo a ser familiar e talvez autobiográfico. Uma questão extremamente importante no trabalho de Diogo Nogueira é a ideia do corpo: este é trabalhado de forma exaustiva, desde a sua mobilidade, ao exagero voluntário dos cânones dos membros inferiores e superiores, até postura e linguagem corporal adjacente.

Outro aspeto importante, e que inclusive se encontra relacionado com a questão do corpo, é a violência da postura/linguagem corporal, que começa nas pinceladas da própria obra até às ações que nela estão retratadas. Existem também outras questões pertinentes que são trabalhadas como: o pudor; os momentos/tempos de ação diferentes na mesma obra; o enquadramento; a existência de elementos criados e utilizados em diferentes obras, funcionando como uma espécie de “easter egg”; as expressões faciais expressas que denunciam neutralidade/indiferença e tristeza.

Uma questão extremamente interessante no trabalho deste artista é a paleta cromática, visto que contrasta com o motivo pictórico, isto é, apesar de existir uma imensa violência das figuras e das pinceladas espessas no plano pictórico, existe, em simultâneo, uma calma exercida pela tonalidade pastel das cores.

4. “Is it really necessary to draw you a painting?” é o título da Instalação audiovisual unicanal de BRUNO RODRIGUES MARTINS com Sérgio Alves e Gonçalo Carneiro. Partindo do fundo do mar, é criada uma base visual para esta experiência. Seguindo as cores e os movimentos do mesmo é iniciado um trabalho onde o som e a cor convergem entre si. Sendo este vídeo construído num software sound-reactive, o próprio som é incitado a mudar as cores e formas construídas. Nas palavras do autor, “como humanos temos um limite muito próprio de onde podemos chegar, do que podemos fazer. Esta obra pretende, por um lado, elucidar sobre isso mesmo, mas também mostrar que quando nós humanos deixamos as coisas acontecerem da sua forma natural, coisas inesperadas acontecem.”

5. SÉRGIO REBELO cria ambientes imersivos através de múltiplas projeções de imagem e som. Criando obras de arte através de programação e de inteligências artificiais, o artista atenua a fronteira entre a arte e a tecnologia. A relação entre o público e a obra, assim como a importância dada ao processo, revelam o carácter político da sua prática, contestando as ideias predefinidas do papel do público no interior do “museu”.

conceitos-chave: identidade | interatividade | instalação | programação | comunicação

6. VIER NEV rompe a fronteira entre arte e tecnologia usando programação e desenho digital. As suas obras são peças em construção que vão ganhando forma com a interação do público. A comunicação é um eixo central na sua prática, ao abordar temas como as anamorfoses e a teoria de Gestalt leva o observador a questionar as bases da realidade.

conceitos-chave: identidade | interatividade | instalação | programação | comunicação

7. Ao observar o trabalho de LEONOR NEVES, é-nos sobretudo sugerido, em todas as suas fases, um estudo que se debruça sobre o movimento, que tendencialmente surge do observar da paisagem, desde o vento à luz, e todas as suas inconstâncias.

conceitos-chave: movimento | paisagístico | fluxos | luz | inconstância

8. ALBERTO RODRIGUES MARQUES é uma aposta da zet gallery há vários anos. É um interpreta da matéria e da cor e um atiçador dos meios. O seu trabalho, de construção performativa, desafia os suportes, procurando criar texturas através do excesso da tinta e da sua natureza, simultaneamente, química e orgânica. Desta feita, apresenta-nos um conjunto de obras sobre papel, que apelida de desenhos, e em que cria manchas compactas de significado cromático.

conceitos-chave: cor | mancha | matéria | desenho | performance

9. MANUEL FONSECA é um ilusionista da pedra. Molda-a e cultiva-a como se do corpo do ente amado se tratasse, buscando nos objetos produzidos um jogo de cheio e vazio e uma intensificação dos contrastes entre pesado e leve, claro e escuro. O objeto propõe-se habitar o espaço e interrogá-lo. Na combinação do recurso endógeno com o industrial, liga a obra ao espetador, ao humano pleno de antagonismos.

conceitos-chave: pedra | natureza | peso | suspensão

10. No trabalho de DANIELA PINHEIRO está presente tanto uma exploração cromática como uma construção da mesma. No trabalho da artista, o foco principal será a cor, e nas suas peças é transmitida uma obsessão pela mesma e pelas variações que esta pode apresentar.

conceitos-chave: cor | vibração | geometrização das formas | módulo | linguagem | construção cromática

11. MARIA LUZ trabalha, intensivamente, o doméstico através da representação de objetos ligados ao mesmo e à sua repetição, dando como exemplo a cadeira. Estes objetos, que poderão ser considerados vulgares, ganham um lugar de destaque no trabalho da artista. Esta enaltece estes fragmentos da vida doméstica trazendo-os para o meio artístico. O trabalho de Maria Luz também poderá estar associado ao doméstico devido ao contexto de confinamento, assim como à Mulher e como esta é, socialmente, associada às tarefas domésticas.

conceitos-chave: doméstico | obsessão | repetição | fragmentos do doméstico | poder | oposição | exaustão | observação.

12.

Condicional

JOÃO CAMPOLARGO TEIXEIRA trabalha com instalações, e isso faz com que as suas obras de arte se sintam condicionadas. Para finalizar a sua expressão artística, que utiliza luz e som, ele deve satisfazer os requisitos técnicos para a instalação.

Conciso

As instalações de João são exibidas de uma forma limpa, sem espaço para excessos. As obras de arte são-nos apresentadas através da utilização de formas geométricas simples, sons familiares e lingua- gem do dia a dia. Com essa simplicidade de exposição, cria ambientes poéticos.

Percetível

Tendo em conta as circunstâncias e a forma de expressão, é impossível não ser percetível. Mesmo sem o conceito de artista não podemos ignorar ou desconsiderar a luz, os sons e as formas simples. É as- sim que João é percetível e como nós criamos os nossos próprios conceitos sobre as suas obras de arte.

 

Helena Mendes Pereira

e

Estudantes do terceiro ano da Licenciatura em Artes Visuais

Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho

Ano letivo 2021/2022

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