Altruísmo, alterismo, altruísmo eficaz ou apenas o dever em si

No início da invasão da Ucrânia pela Rússia as emoções do mundo civilizado ficaram em uníssimo com o povo ucraniano e as inúmeras vidas expostas nas televisões mundiais atingiram todos os corações de forma genuína.

A ajuda aconteceu de todos os lados e alguma ajuda era pouca, mas por vezes, como acontece sempre com as avalanches emocionais e sentimentais, a capacidade de gerir o que chega, ainda que fosse pouco, dadas as circunstâncias, tornava-se demais, pela desorganização e pelo custo de receção ser maior do que o valor da ajuda.

Mesmo assim criaram-se estruturas para maximizar o resultado de quem se entregava aos que precisavam. Tivemos também essa pressão na nossa empresa. Resistimos ao primeiro impulso. Tínhamos de fazer algo, mas tínhamos de acertar no alvo. A nossa ajuda não deveria resultar numa ação altruísta, ou melhor, apenas altruísta. Nem deveríamos estar preocupados com uma participação alterista onde nos concentrávamos em dar ou estimular, bem como controlar o que dávamos ou estimulávamos com o nosso incentivo. Não nos movia o altruísmo eficaz dos utilitaristas. O que existia em nós era uma vontade de fazer o que estava certo pelo dever de fazer o que estava certo – pelo dever em si.

Não queríamos ser “remunerados” de qualquer forma ou espécie pelo que teríamos de fazer. Não pretendíamos ser uma luz que logo se apagaria, um grito que depois de exteriorizado se encolhe, muito menos que a fadiga da compaixão se alojasse em nós e a entrada de novas tragédias superassem e substituíssem esta – não nos queríamos cansar deste mal que está a acontecer, desta fealdade que desorganiza a forma de viver em comunidade. Não queríamos obter perdão espiritual pelos nossos pecados. Não queríamos uma compensação, nem uma valorização social. Não queríamos ser apenas responsáveis sociais e religiosos, ser escuteiros ou voluntários.

O que merecia de nós, como resposta, esta tragédia da idade média, esta bárbara invasão do século vinte e um, era algo que estivesse ligado à raiz da nossa existência, da nossa essência, da nossa casa comum, algo ligado à nossa ancestralidade, à oportunidade da convivência na diferença. Quisemos cumprir com o nosso dever em si, de ajudar e de criar oportunidade a um determinado segmento, dos que sofrem e que vivem, nestes casos, de necessidades extremas de solidariedade geral, atrás de um biombo, os trabalhadores da cultura, as cigarras, que permitem que existam formigas a carregar os suportes de vida para os celeiros. Foi a solução que encontramos para dar uma pequena ajuda.

O que nos moveu neste caso, como noutros casos, foi o dever de ajudar como uma espécie de imperativo categórico – que implica fazer o que deve ser feito sem adversativa de qualquer natureza. E o que devia ser feito, no caso das artistas ucranianas, teria de incluir o seu acolhimento digno. Não era só ter uma bolsa mensal para ter a liberdade mínima que o dinheiro permite. Não era apenas dar um espaço para as artistas e as suas famílias habitarem. O que nos importou assegurar, neste dever kantiano, foi dar-lhes a oportunidade de um trabalho, nas suas áreas criativas, digno. Foi dar a oportunidade de poderem expor e de poderem vender a sua arte, vendo reconhecido o produto do seu labor. Não se trata de altruísmo, altruísmo dos utilitaristas, alterismo, caridade ou compaixão. Trata-se de fazer o que está certo. Trata-se de fazer o que é justo. Trata-se de depender da beleza em si.

É de beleza que tratamos aqui nesta exposição, como o foi na procura de fazer bem, de forma bela, o processo do nosso dever kantiano, o nosso dever samaritano.  É com beleza, e é graças a esta oportunidade que demos, que recebemos de volta uma oportunidade maior, oferecida por estas artistas que aqui expõem os seus trabalhos, produzidos nas suas residências artísticas no campus do dstgroup.

Tenho esperança de que esta exposição ajude as nossas artistas a expulsarem os demónios do vil invasor que as atormentam e lhes dê um pouco de paz para se rearmarem, até que vençam.

José Teixeira

Presidente do Conselho de Administração do dstgroup

Comments

comments