‘O Estado da Arte’, por Manuel Gio
Em tempo de reflexão, sobre causas e sintomas, hoje, vulgarmente disseminado no nosso quotidiano, será adequado e oportunamente indispensável, que o façamos também sobre a Arte, seus agentes, seu estado, seu futuro, começando naturalmente pelo principio, os artistas.
O trabalho dos artistas plásticos portugueses concepcionado no acesso e no domínio do conhecimento técnico, no constante estimulo da capacidade criativa, aliada a intensa e efectiva dedicação, tem proporcionado a execução de obras de reconhecida qualidade e relevância, perfeitamente inseridas no contexto artístico nacional e internacional e, pela inerência qualitativa, contribuído com adições progressivas no desenvolvimento da Arte contemporânea. Contudo, e apesar da intrínseca qualidade, essa produção é maioritariamente constituída pela generalização de continuo trabalho gratuito, efectuado para exposições institucionais ou outras, na expectativa de: visibilidade; da colocação do seu trabalho em discussão; da submissão à acção critica; das vendas associadas e da paulatina concretização da carreira profissional.
Habitualmente, e não sendo clara a conexão de entendimento de causa, verifica-se, que os trabalhos não são devidamente contextualizados; não se definem os objectivos a alcançar e assiste-se a uma dinâmica insuficiente ou ausente, o que consequência ,redundar num aparente vazio, sem discussão, sem critica e sem vendas.
Não descurando as possíveis causas e influências de conjunturas desfavoráveis de índole financeira e económica, que induziram reduções orçamentais de museus, instituições culturais e de particulares, colecionadores ou investidores, causas, que não serão contudo, totalmente responsáveis, e plausíveis como justificação, para o âmbito desta reflexão e procura de respostas satisfatórias para o actual estado da Arte Contemporânea portuguesa, provavelmente, concluiremos, que só com a implementação de substanciais mudanças e alterações comportamentais, com a necessária introdução de novas metododologias, com motivacões proactivas e empenhadas, se propiciará, a fundamental dinamização afecta à produção e comercialização artística, os objectivos primordiais do trabalho curatorial, do galerista, e das instituições culturais, e a discussão e definição possível, sobre apoios ao produtor artista, concretizando objectivos, que comprovada e exemplarmente, resultam em vários países.
Nesta realidade do panorama da Arte contemporânea, e considerando relevante os intervenientes principais, o artista, seu desenvolvimento de carreira e vicissitudes, anteriormente descrito, e o seu público,onde se constata, o quanto esta Arte é ainda relativamente desconhecida para a maioria das pessoas, no seu conceito e na forma. Desconhecimento, que é em parte devido, ao reduzido número de instituições especificas da área do domínio público: museus; centros culturais, e no privado de: galerias, leiloeiras, feiras de arte, outros eventos e espaços expositivos, mas também à reduzida divulgação nos meios comunicacionais dos eventos sobre Arte, da escassa produção sobre o tema, e ainda, do desenvolvimento cultural, manifestamente insuficiente na abordagem do modelo curricular educacional das escolas e universidades. Défice, que redunda na prática, no desinteresse mais ou menos generalizado que verificamos no grande público.
Perante o diagnóstico, conscientes das pretensas objecções “naturais”e do classicismo da forma, ainda vigente . Urge também aqui, inovar, encetando rumos e objectivos que protagonizem soluções , através da adopção de inovadoras práticas, mais, e constante envolvimento institucional, dos agentes culturais e dos meios comunicacionais, no intuito de suprir a profunda necessidade educacional e motivacional existente, fomentando o indispensável esclarecimento, a partilha e divulgação do conhecimento sobre Arte, concretamente, Arte Contemporânea. Significa isto, uma solicitação de redefinição de âmbito e de contexto alargado,que vá para além do mero espaço expositivo, da pura acção comercial ou do cumprimento de agendas museológicas. Reposicionando-se a Arte contemporânea dentro do seu fundamental espaço de desempenho e acção cultural que, inequivocamente, lhe é devido, a reeleve, e possibilite a percepção da “linguagem” dos artistas e da sua “anima”, da sua plena inserção social e da elevação do padrão cultural, do contexto contemporâneo e histórico, da corrente tendencial ou, do seu original ecletismo, da reflexão contemporânea da expressão plástica , do contexto pessoal, motivacional etc.. De forma, que finalmente, possam compreendê-la novos públicos e, não apenas, como algo estético para pendurar nas paredes de sua casa ou nos museus. Despertando-os para um quotidiano que inclua a natural tendência das sociedades contemporâneas, dado a percepção entretanto adquirida pelo acesso a esse conhecimento, e por inerência, ao prazer de adquirir e admirar obras de arte. Porque afinal, Arte é atitude e não só um produto.
Manuel Gio
janeiro de 2016